A história repugnante das mulheres “de conforto” japonesas

Do ocidente ao oriente, a misoginia é uma constante

Furiosa
QG Feminista

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Tradução do artigo The disgusting story of the Japanese ‘comfort’ women, da usuária do Medium Mythili the dreamer para a publicação Lessons From History. A publicação está com acesso restrito então talvez você não consiga ler. Original em inglês aqui.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão forçou milhares de mulheres à escravidão sexual. Conhecidas como as “mulheres de conforto”, sua história é um dos eventos mais vergonhosos já perpetrados na história.

Créditos da imagem: comfort-women-pows-TheNewYorkReviewofBooks

“Eu fui uma escrava sexual para o Exército Imperial Japonês durante a Segunda Guerra Mundial.”

Essa declaração feita por uma mulher frágil e idosa em uma conferência de acontecimentos históricos em 1991, Seoul, Coréia do Sul, causou arrepios no mundo inteiro. Kim Hak-sun foi a primeira “mulher de conforto” da história a vir a público para expor os abomináveis crimes do exército Imperial Japonês contra incontáveis mulheres durante a Segunda Guerra Mundial.

Kim tinha 17 anos quando ela foi sequestrada por um grupo de soldados japoneses e levada para uma cidade chinesa. Ela foi estuprada naquela noite, e aquilo iniciou uma dolorosa provação em um bordel militar que durou vários meses. Finalmente, ela foi capaz de escapar com a ajuda de um pedinte de Pyongyang.

E mais de 75 anos desde a guerra, nós ainda não sabemos muito sobre essas mulheres. Os detalhes dessas mulheres de conforto e o crime contra elas têm sido limitados e escondidos em registros burocráticos que ou foram destruídos ou fornecem informações vagas.

Há poucos sobreviventes e aproximadamente 90% das “mulheres de conforto” não sobreviveram à guerra. Em muitos casos, aquelas que sobreviveram sofreram sérias lesões e foram incapazes de esquecer seus passados traumatizantes. Muitas padeciam de doenças venéreas e eram incapazes de gestar crianças. Outras não puderam se casar devido ao fardo da vergonha profundamente encrustada em seus corações.

E depois do fim da Segunda Guerra Mundial, documentos do sistema de bordéis foram sistematicamente destruídos pelos oficiais japoneses, conforme o Japão começou a se reconstruir após a guerra. E, no processo, a história da escravização de mulheres foi eufemizada como uma reminiscência indesejável da guerra a ser deixada para trás, enterrada, e esquecida como um subproduto brutal de uma guerra longa e sangrenta.

A história das “mulheres de conforto”

Apesar de os bordéis militares terem existido no Japão desde 1932, eles se expandiram mais ainda depois do infame episódio do Estupro de Nanquim, quando tropas japonesas começaram um massacre de seis semanas que essencialmente destruiu a cidade chinesa de Nanquim. No caminho, as tropas japonesas estupraram entre 20,000 e 80,000 mulheres chinesas.

Esse estupro em massa horrorizou o mundo e danificou a imagem do Japão. Devido à imensa pressão internacional, o Imperador Hirohito ordenou que o exército criasse as chamadas “estações de conforto”, ou bordéis militares, num esforço para prevenir mais atrocidades e garantir que um grupo isolado e estável de prostitutas estivesse disponível para satisfazer os apetites sexuais de soldados japoneses.

E, de acordo com relatórios, o exército japonês começou essas estações de conforto com prostitutas voluntárias em partes ocupadas da China por volta de 1931. Mas conforme o exército expandia seu território, eles começaram a escravizar mulheres das áreas ocupadas.

Mulheres eram reunidas nas ruas de maneira organizada e convencidas a viajar para o que elas acreditavam ser unidades de enfermagem ou trabalhos médicos, ou compradas de seus pais como servas contratadas. Algumas sobreviventes reportaram que originalmente recebiam promessas de emprego como cozinhar, lavar a roupa, e cuidar de crianças para o exército imperial japonês.

Uma vez que chegavam aos bordéis, as mulheres eram forçadas a fazer sexo com seus sequestradores em condições desumanas e brutais. De acordo com relatórios japoneses, havia uma mulher de conforto designada para cada 70 soldados, e dizer que seu tratamento era desumano seria um eufemismo. Os testemunhos das sobreviventes são horripilantes até de ouvir; repetidos estupros, dor agonizante, gravidezes, doenças sexualmente transmissíveis, e condições ermas.

Como sobrevivente, Maria Rosa Henson, uma mulher filipina que foi forçada à prostituição em 1943, lembra:

Não havia descanso. Eles faziam sexo comigo a todo minuto.

E conforme os japoneses começaram a perder a guerra, essas mulheres de conforto foram deixadas para trás para se virarem por elas mesmas. A maioria delas nunca conseguiu voltar pra seu país de origem e outras voltaram só nos anos 90. Aquelas que conseguiram voltar pra casa ou mantiveram seu segredo ou viveram uma vida marcada pela vergonha do que elas haviam suportado.

75 anos depois, a questão ainda não foi resolvida

A escravidão sexual tem sido um espinho nas relações entre Seoul e Tóquio, juntamente com as supostas distorções históricas do Japão em seus materiais didáticos para eufemizar os crimes.

Em 1993, o Japão conduziu uma investigação de um mês sobre o assunto em resposta à crescente pressão de vizinhos asiáticos. Em agosto, em então Secretário Chefe de Gabinete do Japão, Yohei Kono, formalmente reconheceu e se desculpou por operar “estações de conforto” e por forçar mulheres a fornecer sexo ao exército imperial japonês durante a Segunda Guerra Mundial.

Mas demorou até 2015 para o Primeiro Ministro japonês Shinzo Abe protocolar um pedido de desculpas formal. Foi em concordância com um acordo com o governo Sul-Coreano. E junto ao tão esperado pedido de desculpas oficial, o Japão contribuiu 1 bilhão de yen a uma fundação formada para ajudar as mulheres sobreviventes.

Algumas pessoas acreditam que essas reparações ainda não são suficientes. Enquanto certa quantidade de sobreviventes tem aceitado compensação ao longo dos anos, muitas sul-coreanas veem a questão como não resolvida por conta do que consideram ser falta de sinceridade do governo japonês. E ainda que o Japão diga que tem feito seu melhor para ajudar as mulheres a curarem suas “feridas psicológicas”, as sobreviventes não compraram a ideia.

As feridas são simplesmente profundas demais para serem curadas e talvez 75 anos ainda seja pouco para esquecer e seguir em frente.

Como Sherrilyn Kenyon já corretamente disse,

As piores feridas, as mais mortais, não são aquelas que as pessoas veem do lado de fora. São aquelas que nos fazem sangrar internamente.

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